Nicodemos e o Novo
Nascimento
Um dos propósitos que João foi o de registrar as impressões que o
Senhor Jesus deixou nas pessoas com quem teve contato. Em nossa segunda lição,
vimos como Jesus impressionou seus discípulos com sua natureza e missão
divinas; na terceira lição, examinamos o milagre que os convenceu do seu poder
criador.
A conclusão do 2º capítulo, refere-se a outra impressão que fez um
tipo de fé que Cristo não julgava satisfatório: (Jo 2.23,24). Por que o Senhor
não encorajava a fé desses homens de Jerusalém? Viu que eles não o
entendiam; reconheceu o mundanismo nos seus corações e propósitos, e não permitiu
que entrassem na mesma intimidade que já estabelecera com os 5 galileus de
coração singelo. Os judeus de Jerusalém estavam dispostos a ficar de acordo com
qualquer um que demonstrasse a probabilidade de trazer honra a sua nação, e
sua crença nEle era o crédito que os homens dão a um estadista cuja
política apoiam. Se o Senhor tivesse encorajado tais homens, mais tarde teriam
se decepcionado com Ele; foi melhor, que os tivesse recebido de modo um pouco
mais frio, dando-lhes uma pausa para meditação. Os milagres de Jesus estavam
sendo um embaraço por atraírem o tipo errado de pessoas - os homens
superficiais e mundanos (cf. Jo 4.48; 6.14-27,66).
Na pessoa de Nicodemos temos um exemplo de fé imperfeita, pois o
discipulado que produziu era secreto (cf. JO 19.38). Mesmo assim, esta fé da parte de Nicodemos é
uma resposta antiga à objeção que os judeus dos nossos dias levantam: “Se Jesus
foi realmente o Messias, como é que nenhum dos nossos estudiosos e sábios teve
o bom senso suficiente para perceber este fato?” A resposta está no Evangelho
de João, no relatório da entrevista de Cristo com Nicodemos e na declaração:
(Jo 12.42).
A Contato
Pessoal: o Pesquisador Distinto (Jo 3.1,2)
“E havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos
judeus.”
1. Um
líder religioso. um fariseu, membro da fraternidade religiosa
organizada sob juramento solene para observar escrupulosamente a lei
e as tradições dos antigos. Era membro do “partido ortodoxo” entre os judeus.
Era um “principal”, um membro do Sinédrio, da corte eclesiástica do mundo
judaico. Foi esta corte que condenou Jesus à morte, e da qual Saulo era, mui
provavelmente, membro.
2. Um inquiridor secreto. “Este
foi ter de noite com Jesus”. Fala-se da covardia de Nicodemos em vir à noite.
Devemos, no entanto, dar valor ao fato de ele ter procurado a Jesus, mesmo
daquele modo. Mais tarde, foi ele quem tomou sobre si a defesa de Jesus perante
o Sinédrio (Jo 7.50,51) e ajudou a enterrar o seu corpo (Jo 19.39). Em ambos os
trechos, João volta a se referir ao fato de Nicodemos ter vindo a Jesus, da
primeira vez, à noite. Mostra, assim, que Nicodemos estava ficando mais firme
na fé, chegando a demonstrar mais devoção do que os próprios discípulos que
fugiram, quando veio ajudar a sepultar o corpo de Cristo.
3. Um
inquiridor representativo. “Rabi, bem sabemos que és Mestre,
vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não
for com ele”. O plural “sabemos” permite-nos imaginar que talvez vários líderes
religiosos, impressionados com os ensinamentos de Jesus e querendo saber mais
acerca dEle sem criar uma sensação pública nem tomar partido
publicamente, tivessem nomeado Nicodemos para ser uma “comissão de inquérito”
de um só membro, de modo sigiloso (cf. 12,42).
4. Uma
alma necessitada. As palavras iniciais de Nicodemos revelam várias
emoções lutando no seu íntimo, e a declaração repentina de Jesus (v. 3), longe
de ser uma mudança de assunto, foi uma resposta - não às palavras, mas sim ao coração de Nicodemos. Tais
palavras revelam: 1) Fome espiritual: canseira com os cultos da
sinagoga, sem vida espiritual, aos quais frequentava sem achar satisfação para
a sua fome. 2) Falta de profunda de convicção. Nicodemos sente sua
necessidade, mas procura um mestre, mais
do que um Salvador. À
semelhança da mulher samaritana, quer a água da vida (Jo 4.15), mas precisa
igualmente ficar sabendo que é um pecador e que necessita ser purificado e
transformado (Jo 4.16-18). 3) Certa complacência quanto à sua própria
pessoa, como se dissesse a Jesus: “Creio que foste enviado para restaurar o
reino a Israel, e vim oferecer conselhos quanto ao plano de ação e sugerir
certas operações”. Provavelmente considerava que ser israelita era qualificação
suficiente para ser considerado membro do Reino de Deus.
B Explicação: o Novo Nascimento (Jo
3.3-10)
1. O fato do novo
nascimento. Jesus explica que Nicodemos não pode filiar-se ao
grupo dEle assim como uma pessoa filia-se a uma organização qualquer. Ser
discípulo de Jesus depende do tipo de vida que se leva. A causa de Cristo é a
do Reino de Deus, onde não se pode entrar sem passar por uma transformação
espiritual. O Reino de Deus era bem diferente daquilo que Nicodemos imaginava,
e o modo de estabelecê-lo e de chamar pessoas a serem seus cidadãos também. Jesus
salientou a necessidade mais profunda e universal do homem: uma mudança radical
e completa da totalidade da natureza e do caráter. A natureza total do homem
foi torcida pelo pecado, em decorrência da queda, e esta perversão se reflete
na sua conduta individual e nos seus vários relacionamentos. Antes de poder
viver uma vida que agrade a Deus, sua natureza precisa passar por uma mudança
tão radical que é nada menos do que um 2º nascimento. O homem não pode
efetuar semelhante mudança por si mesmo. A transformação deve vir de cima.
“Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho?
porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” Nicodemos tem razão
ao tirar a conclusão de que é necessário um milagre para alguém entrar no
Reino de Deus, mas não entende como isso se faz. Pensava, decerto: “Sou um
homem com muitos anos de vida, com hábitos de pensar e viver bem arraigados em
mim, bem como muitas ligações sociais e costumes e ideias antigas que nossos
antepassados nos legaram. O nascimento tal como tu falas é tão impossível
quanto o nascimento físico de um homem de idade, tão prepostero quanto seria a
ideia de entrar segunda vez no ventre da mãe para nascer de novo. A natureza
humana não pode ser mudada desta forma. Jeremias, afinal, declarou: ‘Pode acaso
o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas?’ Se é esta a tua
exigência para que se possa entrar no teu Reino, quem poderá ser considerado
candidato aceitável?”
2. Os meios do novo
nascimento. “Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que
aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.”
Nascer da água significa passar por uma profunda experiência de purificação
(cf. Ef 5.26). Nascer do Espírito significa passar por uma profunda
experiência de receber a vida divina. A alma humana precisa ser lavada de toda
impureza e vivificada pela vida celestial, antes de estar pronta para o Céu.
Deus nos salvou: 1) pela “lavagem da regeneração e 2) da renovação do Espírito
Santo” (Tt 3.5).
O ensino era novo e, ao mesmo tempo, antigo (v. 7,9,10).
Jesus queria dizer: “Como você fica surpreso, como se eu pregasse alguma
estranha doutrina? Certamente, como ensinador da Lei e dos Profetas,
deve ter lido da promessa de Deus anunciada por Ezequiel: (Ez 36.25-27). Você
sabe muito bem que, embora Israel se tenha jactado de ser o povo de Deus,
filhos de Abraão, os membros da nação são impuros, e indignos do Reino de Deus.
O profeta declara que os israelitas, antes de poderem entrar no Reino de Deus,
precisam ‘nascer da água’ e ‘nascer do Espírito’, precisam ser purificados e
receber vida nova. O que é verdade no que diz respeito a Israel, é verdade para
você, individualmente. Você deve
nascer de novo”.
3. A razão do novo
nascimento. Jesus não procurou explicar o como do novo nascimento;
explicou o porquê: “O que
é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.” A carne
e o Espírito pertencem a campos diferentes, e um não pode produzir o outro. A
natureza humana pode gerar mais natureza humana, mas é somente o Espírito Santo
que pode produzir uma natureza espiritual. A natureza humana nada poderá
produzir além de natureza humana, e nenhuma criatura pode se erguer acima da
natureza que lhe é própria. A vida espiritual não pode ser transmitida de pai
para filho através da procriação natural; é transmitida da parte de Deus para
os homens mediante o novo nascimento espiritual.
A natureza humana não pode se erguer acima daquilo que ela é. Cada
criatura tem certa natureza conforme sua espécie, determinada por sua
descendência. Esta natureza que o animal recebe dos pais determina, logo de
início, as capacidades e a esfera da vida dele. Nenhum animal poderá agir de
forma superior a sua própria natureza.
O mesmo princípio aplica-se ao homem. O destino supremo do homem é
viver com Deus para sempre; a natureza humana, não possui em si as condições
necessárias para viver no Reino celestial; assim sendo, a vida celestial tem de
ser trazida do Céu para transformar a vida humana na terra, preparando-a para o
Reino de Deus.
4. O mistério do
novo nascimento. Embora o como do novo nascimento esteja além do alcance do
raciocínio humano, este mistério não precisa ser motivo de tropeço para
Nicodemos: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde
vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” Logo,
o movimento do vento é algo muito real para nós, mas é misterioso e além de
nosso controle; assim também é a atuação do Espírito sobre a natureza humana.
O novo nascimento é misterioso quanto à sua origem: “não sabes donde vem”; e, há mistério
quanto à sua consumação: “não sabes... para onde vai”. Assim sendo, João
escreve: (1 Jo 3.2). Mesmo assim, a atuação do Espírito é real: “Ouves a sua
voz” (cf. At 2.3,4; 1 Co 12.7; G1 5.22,23).
C Confirmação: a Base do Novo Nascimento (Jo
3.11-15)
Duas perguntas devem ter naturalmente ocorrido a Nicodemos: Como Jesus
sabe destas coisas? O que Ele faz para levar as pessoas a experimentarem o novo
nascimento?
1. A experiência
espiritual de Cristo. “Na verdade, na verdade te digo que nós
dizemos o que sabemos e testificamos o que vimos; e não aceitais o nosso
testemunho” (o plural “nós” talvez indique a presença de alguns discípulos).
Jesus, concebido mediante o Espírito Santo, batizado no Espírito, cheio do
poder do Espírito, continuamente movido pelo Espírito, podia falar com
autoridade em matéria de Espírito. Que pena que tantos que professam serem seus
seguidores tenham dogmatizado o assunto sem desfrutar das operações do Espírito
em seu íntimo!
“Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como
crereis, se vos falar das celestiais?” Jesus explica a Nicodemos que, se ele se
preocupa apenas com a forma e a matéria do novo nascimento, só poderia
conversar sobre coisas terrestres porque, embora o nascimento espiritual venha
de cima, ocorre na terra e faz parte dos fatos da vida. A explicação do “como”
deste assunto tem a ver com os eternos propósitos de Deus (coisas celestiais),
e Nicodemos não está pronto para tais ensinos, porque ainda não aceitou o fato
da necessidade do novo nascimento (coisas terrenas).
2. A origem
celestial de Cristo. “Ora ninguém subiu ao céu, senão o que desceu
do céu, o Filho do homem, que está no céu”. Cristo tinha estado no Céu antes de
sua missão na terra, podendo, portanto, falar acerca de coisas celestiais a
partir de uma experiência pessoal.
Embora “o Filho do homem, que está no céu”, estivesse na terra, seu lar
real sempre foi o Céu, e são celestiais sua origem e natureza.
3. A obra expiatória de
Cristo. Jesus já tratara de um erro fundamental de Nicodemos e dos
seus companheiros: imaginavam que, pela sua conexão natural com o povo
escolhido, teriam de se filiar ao Reino de Deus; o Senhor Jesus, no entanto,
declarou que devem entrar no Reino mediante o novo nascimento. Agora dissipa o
segundo erro: Nicodemos acreditava que o Messias, na sua vinda, seria
“levantado” ou exaltado num trono, para salvar Israel da total derrota
política. Jesus, no entanto, ensinou que, em primeiro lugar, o Messias teria
que ser levantado de modo bem diferente: “E, como Moisés levantou a serpente no
deserto, assim importa que o filho do homem seja levantado; para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” O Messias teria de
ser levantado numa cruz para salvar a nação do perecimento espiritual.
Qual a conexão entre a crucificação do Filho do homem e a regeneração
dos filhos dos homens? Quando Deus criou o homem e lhe soprou nas narinas o
fôlego da vida, transmitiu a este não somente a vida mental e física, como
também o Espírito Santo. Adão foi criado perfeito, e certamente deve ter
recebido o Espírito Santo, pois sem ele a personalidade humana é incompleta
diante de Deus. Quando pecaram nossos primeiros pais, iniciou-se a morte
espiritual e deixou de habitar neles o Espírito Santo. Quando, portanto, veio o
Redentor, sua missão era restaurar a humanidade a presença do Espírito
(Gl 3. 13,14). Cristo morreu na cruz pra remover o obstáculo que não permitia
que a vida humana recebesse a presença de Deus. Este obstáculo era o pecado.
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